O Escrevinhador
Aparentados pelo coração
Pedro J. Bondaczuk
O
saudoso escritor Pedro Nava definiu, certa ocasião, de forma simples e
objetiva, e com parcimônia de palavras, o que é ser amigo: é
“aparentar-se pelo coração”. E como se dá esse processo de
aparentamento? Pelo mútuo conhecimento e, sobretudo, pelo elo da
afinidade que duas pessoas descobrem que têm à medida que se conhecem e
que desenvolvem na sequência.
Esse
tipo de amizade dispensa todas as formalidades, até mesmo a do
recíproco contato pessoal. Meus melhores amigos, os que me acompanham a
todo o momento, são os que nunca vi, com os quais jamais conversei
(alguns até morreram séculos antes que eu nascesse), mas que, pela
afinidade de ideias, de sentimentos e de ideais, me são, sempre foram e
sempre serão caros e insubstituíveis. Estão, reitero, sempre comigo,
onde quer que eu esteja.
Há
relativamente pouco tempo, “aparentei-me pelo coração” com uma pessoa
que até então não conhecia. À medida que nossos contatos foram se
amiudando, se estreitando e se aprofundando, e que fomos nos conhecendo
mais e mais, o processo de “aparentamento” pôs-se de imediato em marcha.
Mas não parou, como não raro acontece. Evoluiu, teve sequência e findou
por se consolidar, mediante o elo inquebrável das afinidades. E estas
se revelaram, se depuraram e findaram por se consolidar mediante o mútuo
contato com as respectivas obras literárias; Ou seja, com a essência da
alma de cada um.
Enviei
a essa pessoa meu livro (inédito) de ensaios, “Dimensões infinitas”, a
“menina dos olhos” da minha produção, mesmo não publicado. Recebi, em
contrapartida, régio presente, que é seu romance psicológico “A passagem
dos cometas”. Li-o avidamente. Melhor diria, “devorei-o”, com
satisfação e até com gula, detectando, em cada capítulo, parágrafo e
sentença, mais e mais afinidades com o autor. Querem saber de quem se
trata? Trata-se do poeta e mais, do Escritor (com “e” maiúsculo) Edir
Araújo, cujos textos tenho a honra de reproduzir, periodicamente, neste
espaço nobre da internet.
Nossas
afinidades, recém-descobertas, são tantas, que ele até já se juntou,
para minha satisfação e orgulho, a este nosso bando de “Quixotes” que
vivem, saboreiam e respiram Literatura todo tempo e que buscam, no
limite de suas capacidades, enriquecê-la, engrandecê-la e aperfeiçoá-la,
a despeito de tantos e tamanhos obstáculos, dificuldades e
incompreensões que temos diante de nós.
Mas,
falemos de seu livro, que me suscitou todo esse entusiasmo. Já no
título, sugere tratar-se de duas coisas das quais ambos somos afins:
cometas e poetas. A obra, densa, consistente e meticulosamente
pesquisada, cujo texto é exposto com meridiana clareza e com a
objetividade dos mestres da Literatura, consiste, basicamente, de uma
série de diálogos entre dois personagens centrais, que atuam como “fios
condutores do enredo”. Um, é o editor Rômulo Valentim (cujo nome só
ficamos sabendo no surpreendente desfecho do livro, que não revelarei
qual é para não estragar o fator surpresa do leitor) e o outro, tratado o
tempo todo como poeta-dentista (e que no desfecho do romance ficamos
sabendo se tratar de Ganimedes Junior), que na verdade é o protagonista
central da trama. Das conversas de ambos ficamos sabendo uma infinidade
de detalhes – ora pitorescos, ora curiosos, mas sempre surpreendentes –
tanto de poetas célebres (na verdade, também, de escritores de outros
gêneros) quanto de cometas, aos quais o autor, hábil e sutilmente, os
relaciona.
Reitero,
é um livro de tirar o fôlego dos que entendem que a boa leitura é a que
proporciona, simultaneamente, entretenimento, informação, conhecimento e
reflexão. “A passagem dos cometas” suscita tudo isso e muito mais. É
uma obra que recomendo sem titubeio e com a maior satisfação.
Escrevi,
reiteradas vezes, e o leitor é testemunha, que gosto dos idealistas,
dos lutadores, dos que não se submetem às circunstâncias negativas, que
sabem sonhar, mas não se limitam a isso, contudo se empenham ao máximo
para a concretização de todos seus sonhos, mesmo os aparentemente
impossíveis. Tenho por paradigmas o que os norte-americanos chamam de
“self made men”, ou seja, homens que se fazem sozinhos, pelo seu
esforço, persistência e talento. E Edir Araujo é um deles.
Esse
fluminense, nascido em Piraí, em 14 de junho de 1958, é um autodidata.
Lembro que o maior escritor brasileiro de todos os tempos (e que me
perdoem os demais), Machado de Assis, jamais freqüentou qualquer escola.
Fez-se sozinho. Alfabetizou-se por própria conta e foi o que foi:
mestre de todos nós, comprometidos com Literatura. Edir segue a mesma
trajetória.
De
família numerosa, o mais velho de 9 irmãos, aos 11 anos já era arrimo
de família. Terminado o curso secundário, cedo teve que abandonar os
estudos devido à sobrecarga de atividades. Mas se não teve acesso a
qualquer universidade, empenhou-se, com afinco, na mais importante das
escolas, a da vida.
Não
repetirei a trajetória que seguiu para chegar onde chegou. Enfatizarei,
apenas, que tomou gosto pelas Letras desde tenra idade, compondo
versos, escrevendo crônicas e fazendo resenhas de livros e, sobretudo,
lendo, lendo e lendo, incansável e compulsivamente. Assim como todos os
bons escritores têm sempre uma ideia pré-concebida do que irão escrever,
seu primeiro livro “A passagem dos cometas, foi idealizado há 15 anos. E
que livro! Valeu a pena tanto esforço, tanta pesquisa e tanto empenho
em produzir um texto sobretudo claro, correto e preciso. Outros, muitos
outros livros, certamente, virão (aliás o segundo, “Gritos e gemidos”,
já veio) é o que indica a minha intuição (que nunca falha), até com base
em nossas recém-detectadas afinidades.
Com
tantas coisas que temos em comum, cuja principal é nossa evidente
paixão recíproca por Literatura e por todos os que a fazem e lhe dão
vida, transcendência e grandeza, permita-me, Edir, o atrevimento de
chamá-lo de AMIGO, que é como o considero, “aparentados” que somos “pelo
coração”, como diria o saudoso Pedro Nava, igualmente levado, de forma
trágica (como vários escritores que você cita em seu livro e que deram
cabo da vida) “por um cometa” para o além.